Adriano Augusto
Fidalgo[1]
I.
Introdução
A
ação Monitória foi adicionada em nosso sistema pela Lei 9.079/95, cuja inclusão
se deu no Código de Processo Civil (CPC) de 1973 nos artigos 1.102a, 1.102b e
1.102c. Atualmente está alocada nos artigos 700 a 702, do CPC de 2015.
Afigura-se
como importante modalidade de ação que se concentra em um plano híbrido com
contornos das ações ordinárias, exaurientes, mas com características que
poderão sofrer mutações de acordo com o rito processual, momento em que passará
a ter características e efeitos de uma ação executiva.
Tratando
da influência europeia sobre tal instituto incluso em nosso sistema processual
assim discorreu Theodoro Júnior (2001, pp. 331-332):
Os principais Códigos europeus,
diante dessa particular situação do credor munido de relativa certeza de seu
direito, mas privado de título executivo extrajudicial, engendraram uma forma
de summaria cognitio, sem
contraditório do devedor, em que à base de prova documental do credor, ou
diante de determinadas relações jurídicas materiais, e permite ao juiz “o
imediato pronunciamento de uma decisão, suscetível de constituir título
executivo judicial”.
Ao lado do processo de execução e
do processo de cognição, em sua pureza, existe, portanto, um procedimento
intermediário, de larga aplicação prática e de comprovada eficiência para
abreviar a solução definitiva de inúmeros litígios: trata-se do procedimento
monitório ou de injunção.”
De
fato, busca-se com a referida inclusão no sistema, com essa modalidade de ação,
atribuir ao credor celeridade, mas, sem se descurar do devido processo legal,
da ampla defesa e do contraditório, princípios constitucionais preservados.
II.
Breve
análise da Legislação
Cumpre
aqui transcrever os aludidos artigos que dão o embasamento legal para a Ação
Monitória e efetivar os pertinentes comentários. Reza o artigo 700, in verbis:
Art. 700. A ação monitória pode ser proposta por
aquele que afirmar, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo,
ter direito de exigir do devedor capaz:
§ 1o A prova escrita pode consistir em
prova oral documentada, produzida antecipadamente nos termos do art. 381.
§ 4o Além das hipóteses do art. 330, a petição inicial
será indeferida quando não atendido o disposto no § 2o deste artigo.
§ 5o Havendo dúvida quanto à idoneidade de
prova documental apresentada pelo autor, o juiz intimá-lo-á para, querendo,
emendar a petição inicial, adaptando-a ao procedimento comum.
§ 7o Na ação monitória, admite-se citação
por qualquer dos meios permitidos para o procedimento comum.
Cumpre
trazer algumas considerações sobre o aludido artigo efetivadas por Bueno (2015,
p. 438):
De acordo com o caput
e com os incisos do art. 700, a “ação monitória” não se limita ao pagamento de
soma em dinheiro ou à entrega de coisa fungível ou de bem móvel. Ela, no novo
CPC, também se volta à entrega de coisa infungível ou de bem imóvel e ao
adimplemento das obrigações de fazer ou de não fazer. Tudo, todavia, desde que
o direito seja comprovável de plano por “prova escrita sem eficácia de título
executivo” e que o devedor (réu) seja capaz.
O artigo 700 admite em seu § 1º que a prova oral seja
convolada previamente em prova escrita. O § 2º define a questão do valor da
causa relacionada com o conteúdo patrimonial ou o proveito econômico perseguido,
correspondente ao valor da causa (§ 3º). Caso não seja cumprido tal preceito redundará
no indeferimento, conforme o § 4º.
Em relação ao parágrafo § 5º, trata que havendo dúvida
quanto à idoneidade da prova documental o juiz intimará a parte para emendar a
inicial, de modo que, a ação deverá seguir o caminho do rito comum, de caráter
exauriente[2].
Trazendo como novidade o § 6º a possibilidade de ação monitória perante a
Fazenda Pública, além de o § 7º admitir a citação por qualquer meio permitido
pelo procedimento comum, de modo a ampliar sua ocorrência nessas últimas duas
situações.
Já
o artigo 701 disciplina:
Art. 701. Sendo evidente o direito do autor, o juiz
deferirá a expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou para
execução de obrigação de fazer ou de não fazer, concedendo ao réu prazo de 15
(quinze) dias para o cumprimento e o pagamento de honorários advocatícios de
cinco por cento do valor atribuído à causa.
§ 2o Constituir-se-á de pleno direito o
título executivo judicial, independentemente de qualquer formalidade, se não
realizado o pagamento e não apresentados os embargos previstos no art. 702, observando-se, no que
couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.
§ 4o Sendo a ré Fazenda Pública, não
apresentados os embargos previstos no art. 702, aplicar-se-á o
disposto no art. 496, observando-se, a
seguir, no que couber, o Título II do Livro I da Parte Especial.
Comentando
a modalidade processual da Ação Monitória, ainda sob a égide do Código de 1973
bem pontuou Conrado (1998, p. 85), especificamente sobre os efeitos da coisa
julgada. No caso, opinando pela possibilidade da ação rescisória, o que fora
incluído no rtigo 701, § 3º, do neófito CPC:
Conquanto a recentidade do
instituto que estamos estudando suscite entendimentos diversos, que não podem
ser tomados, em linha de princípio, como mais ou menos acertados, estamos que a
posição defendida por Donaldo ARMELIN, acerca desse específico ponto (a
amplitude do efeito preclusivo decorrente da inércia do devedor), há de
prevalecer, quando contrastada com a que antes apresentamos, leia-se: “Admitida a formação da coisa julgada
material no concernente à decisão, que deferiu o mandado de pagamento ou de
entrega, evidencia-se que os fundamentos de nulidade desta convolam-se em
hipóteses de sua rescindibilidade. Se o contraditório não se instaurou por
omissão do devedor, não haverá por que ressuscitar na execução matéria adstrita
ao processo de conhecimento. Nele houve oportunidade para tanto, que não foi aproveitada.
Por isso mesmo, há de pacientar o devedor o resultado de sua própria inércia.
Se, contudo, matéria nova emergir supervenientemente, insuscetível de se
albergar em qualquer das hipóteses do art. 741 do CPC, deve se permitir através
de elastério exegético essa subsunção, evitando-se, destarte, a
inconstitucionalidade decorrente de vulneração da garantia constitucional da
ampla defesa.
Alguns
pontos do artigo 701 são destacados por Bueno (op.cit., p. 439):
O artigo 701 disciplina a expedição do “mandado
monitório” com o prazo de quinze dias (úteis) para cumprimento.
O acatamento da determinação pelo réu isenta-o do
pagamento das custas processuais. Neste caso, os honorários de advogado serão
de 5% do valor da causa, consoante fixação ditada pelo caput do dispositivo (§ 1º). A solução é preferível à do CPC atual
(art. 1.102-C, § 1º), que, em termos práticos, faz com que o advogado do autor
nada receba a título de honorários de sucumbência.
Não realizado o pagamento ou não apresentados os
embargos do art. 702, converter-se-á o mandado em título executivo judicial,
prosseguindo o processo em sua fase de cumprimento de sentença (§ 2º).
Nota-se
que a grande novidade do aludido artigo é a definição dos honorários
advocatícios de 5% (cinco por certo), algo que não existia na sistemática do
CPC anterior.
Cabem
mais alguns apontamentos ao artigo 701. O § 1º isenta do pagamento de custas se
o mandado for cumprido pelo réu. O § 2º trata da transmutação da ação monitória
em título executivo, caso não ocorra o pagamento ou não sejam apresentados
Embargos. O § 3º inova trazendo a possibilidade de ação rescisória na
ocorrência do que descrito no O § 4º trata do procedimento específico quando a
ré for a Fazenda Pública. Por fim, o § 5º, discorre sobre a possibilidade de
parcelamento do pagamento, nos termos do artigo 916, do CPC.
Observa-se
no artigo 702:
Art. 702. Independentemente de prévia segurança do
juízo, o réu poderá opor, nos próprios autos, no prazo previsto no art. 701, embargos à ação
monitória.
§ 2o Quando o réu alegar que o autor
pleiteia quantia superior à devida, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor
que entende correto, apresentando demonstrativo discriminado e atualizado da
dívida.
§ 3o Não apontado o valor correto ou não
apresentado o demonstrativo, os embargos serão liminarmente rejeitados, se esse
for o seu único fundamento, e, se houver outro fundamento, os embargos serão
processados, mas o juiz deixará de examinar a alegação de excesso.
§ 4o A oposição dos embargos suspende a
eficácia da decisão referida no caput do art. 701 até o julgamento em
primeiro grau.
§ 6o Na ação monitória admite-se a
reconvenção, sendo vedado o oferecimento de reconvenção à reconvenção.
§ 7o A critério do juiz, os embargos serão
autuados em apartado, se parciais, constituindo-se de pleno direito o título
executivo judicial em relação à parcela incontroversa.
§ 8o Rejeitados os embargos,
constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, prosseguindo-se o
processo em observância ao disposto no Título II do Livro I da Parte Especial, no que for cabível.
§ 10. O juiz condenará o autor de ação monitória
proposta indevidamente e de má-fé ao pagamento, em favor do réu, de multa de
até dez por cento sobre o valor da causa.
§ 11. O juiz condenará o réu que de má-fé opuser
embargos à ação monitória ao pagamento de multa de até dez por cento sobre o
valor atribuído à causa, em favor do autor.
Traz-se
a colação algumas ponderações relevantes sobre o artigo 702, do CPC, destacados
por Bueno (op.cit., p. 442):
É expressamente permitida a
reconvenção, na linha do que já admite a Súmula 292 do STJ, sendo vedada a
reconvenção da reconvenção (art. 702, § 6º).
O § 7º, ao ensejo de admitir a documentação
apartada dos embargos (“a critério do juiz”), parece aceitar o desmembramento do processo na hipótese
de os embargos serem parciais com a constituição do título executivo “em
relação à parcela incontroversa”. Embora
a palavra “incontroversa” tenha surgido apenas na revisão final do texto do
novo CPC antes de ser enviado à sanção presidencial no lugar de “parcela não
embargada”, parece não haver, aqui, qualquer possibilidade de ser criada uma
nova norma jurídica. Na exata medida em que alguém se aventure a distinguir uma
da outra, surge a questão de seu vício formal por exceder os limites do art.
65, parágrafo único, da CF.
E
prossegue Bueno (op.cit., p. 442):
Rejeitados os embargos,
“constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial”, prosseguindo-se
o processo em sua fase de cumprimento de sentença (art. 702, § 8º).
O § 9º do art. 702 reserva o
recurso de apelação à decisão que acolher ou rejeitar os embargos. A apelação é
cabível, mesmo quando se tratar de rejeição (ou acolhimento) em parte. A
hipótese não guarda nenhuma relação com o recurso cabível, mas, bem
diferentemente, ao interesse recursal de ambos os litigantes que, na hipótese,
serão sucumbentes.
Os §§ 10 e 11 do art. 702, por
fim, preveem a possibilidade de aplicação de multas ao autor que, de má-fé,
valeu-se indevidamente da “ação monitória” ou ao réu que, de má-fé tenha
apresentados embargos. A multa é de 10% sobre o valor atribuído à causa (art.
700, § 3º) e reverte em favor da parte contrária.
Quanto
ao artigo 702, cabem alguns comentários. O caput
fala da dispensa da caução. O § 1º
fala que os Embargos podem se fundar em matéria de defesa no procedimento
comum. O § 2º determina que o réu ao alegar excesso no valor cobrado que
apresente planilha explicando os valores que entender corretos. O § 3º enuncia
que os Embargos serão liminarmente rejeitados, se esse for o seu único
fundamento. No que tange à suspensão da eficácia da decisão do artigo 701 (§
4º) e a intimação do autor para responder os embargos parece nada inovar (§ 5º).
O
§ 6º fala da admissão da Reconvenção, mas veda a possibilidade da Reconvenção à
Reconvenção. O § 7º versa que serão atuados em apartado, se parciais,
constituindo-se de pleno direito a parte incontroversa, em título executivo
judicial. O mesmo ocorrendo se rejeitados os Embargos, aplicando-se o rito da
Execução, segundo o § 8º.
Frise-se
ainda, o artigo 702, § 9º que, cabe Apelação contra a sentença que rejeita ou
acolhe os Embargos. Como situação novidadeira, o § 10º diz que o juiz condenará
o autor que propõe tal ação indevidamente e de má-fé, em multa de até dez por
cento sobre o valor da causa. O § 11º define a mesma penalidade sobre o Réu que
apresentar Embargos com o mesmo objetivo. Nota-se, assim, que tal norma legal
disciplinou tal temática com equidade.
Sobre
a suspensividade dos Embargos monitórios (AYUB, 2015, p. 472), desta forma
ponderou:
O § 4º do artigo
702 traz, a nosso ver, uma das mais importantes modificações do capítulo XI.
Refere à regra em comento que a suspensividade dos embargos monitórios só terá
eficácia até o julgamento de primeiro grau. Na vigência do Código revogado
vinha entendendo o STJ, que em caso de recurso de apelação interposto contra
sentença de improcedência dos embargos monitórios, não se aplicaria a regra do
artigo 520, V, do CPC/73 (atual art. 1.012, III). Fundamentava a Corte Superior
que por se tratar de norma de exceção, deveria ser tratada restritivamente,
sendo, assim, recebida no duplo efeito a apelação advinda de sentença que
rejeitasse os embargos monitórios ou os julgasse improcedentes (REsp 207266/SP,
rel. Min. Barros Monteiro, 4ª Turma). Na sistemática do atual Código, julgados
rejeitados ou improcedentes os embargos monitórios e interposta apelação desta
sentença, estará o título apto para o início da execução provisória (já que
pendente de recurso não admitido com efeito suspensivo), sendo que a
suspensividade da monitória dependerá de deferimento judicial, nos termos do
artigo 1.012, § 3º do CPC.
III.
Considerações Finais
Conforme
se vê do estudo da Ação Monitória se infere da sua importância para a nossa
sistemática processual, donde se transmudam situações em que há uma prova
escrita sem eficácia de título executivo em que, inicialmente, confere-se ao
devedor (réu), a possibilidade de contraditório e ampla defesa, mas que, em
caso de sua inércia, sem justificativa, transmuda a ação para o rito executivo,
dando maior agilidade ao procedimento, o que é louvável em momento de retração
econômica, de modo a justificar tal celeridade, sem prejuízo das garantias
processuais de escol.
Por
fim, pelo que se denota, as inclusões efetivadas pelo novo Codex foram bem recebidas pelo sistema e pela doutrina, já que
colocaram fim a algumas pequenas celeumas e fulminaram algumas dúvidas
procedimentais, conferindo mais segurança jurídica a tal modalidade de
procedimento especial.
BIBLIOGRAFIA
AYUB,
Carlos Eduardo Garrastazu. Código de
Processo Civil Anotado. Ordem dos Advogados do Brasil. Anotações aos
artigos 700 a 702. Disponível em: http://www.oabrs.org.br/novocpcanotado/novo_cpc_anotado_2015.pdf. Acesso em: 02.Jul.2018. Rio
Grande do Sul: OAB, 2015.
BRASIL. LEI 13.105, de 16 de março de 2015.
Código de Processo Civil. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17.Mar.2015.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.
Acesso em: 02.Jul.2018.
BUENO,
Casssio Scarpinella. Novo Código de
Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
CONRADO,
Paulo Cesar. Processo Cautelar e
Procedimentos Especiais. São Paulo: Fiuza Editores, 1998.
THEODORO
JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito
Processual Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001.
[1] Advogado. Auditor Jurídico. Especialização em Direito
Processual Civil pela Universidade São Francisco. Especialização em Direito
Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. MBA (Master Business Administration)
em Auditoria pela Universidade Nove de Julho. Especialização em Computação Forense pela Universidade
Mackenzie. Mestrando em Educação pela Universidade Nove de Julho, na Linha de
Pesquisa: Educação, Filosofia e Formação Humana. Presidente da Comissão Especial de Direito
Digital e Compliance da OAB/Santana. Pesquisador
cadastrado no CNPQ nos seguintes Grupos de Pesquisa: I) GRUPEFE - Grupo de
Pesquisa em Filosofia da Educação. II) GRUPETECD - Grupo de Pesquisa em Educação,
Tecnologias e Cultura Digital. III) GRUPEC – Grupo de Pesquisa em Educação e
Complexidade. IV) GRUPJUS – Grupo de Pesquisa em Justiça Dialógica. Educação e
Direito. Autor do livro: “Reputação Digital no Facebook, Sustentabilidade
Empresarial e o Consumidor.”
[2]
Enunciado 188. (art. 700, § 5º) Com a emenda da inicial, o juiz
pode entender idônea a prova e admitir o seguimento da ação monitoria. (Grupo:
Procedimentos Especiais). Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas
Civis.