quarta-feira, 19 de agosto de 2020

A PANDEMIA, O HOME-OFFICE, O DIREITO À DESCONEXÃO E O DANO EXISTENCIAL

Este breve texto tem o objetivo de levantar algumas circunstâncias da nossa atualidade, considerando especialmente a questão do isolamento social. Não tem objetivo científico, apesar de ser possível tomar esse caminho com mais pesquisas já que o tema é de grande pontualidade e interdisciplinaridade, mas apenas trazer um alerta do cotidiano.

Em termos de significados, sem refinamentos técnicos, conforme segue. Pandemia: vamos considerar ela e o isolamento social provocado. Home-office: a modalidade de trabalho desenvolvida em casa por alguns trabalhadores. Direito à desconexão: o direito humano do trabalhador de cumprir o seu merecido descanso, após a pactuada jornada de trabalho dentro da lei. Dano existencial: o dano decorrente do excessivo e abusivo trabalho decorrente de relação de emprego que pode gerar situações devastadoras na vida pessoal do indivíduo.

Com estes parâmetros, como sabido, a Justiça do Trabalho já reconheceu há alguns anos o direito do trabalhador ficar desconectado, ou seja, ele ter o tempo livre para estar com a família poder passear, poder se cuidar e etc. Ou seja, em várias situações que se referem à órbita pessoal do trabalhador que não podem ser afetados pelos comandos da relação de emprego, após o horário de trabalho quando a pessoa tem o direito de exercitar sua dignidade, de fazer as coisas que gosta, de aproveitar a vida, pois, o emprego ou trabalho são apenas uma dimensão da vida.

No entanto, neste tempo com a atual Pandemia, com o chamado home-office (trabalho à distância ou teletrabalho) as pessoas não estão se desligando do ambiente trabalho e empresa, no seguinte sentido. Por vários motivos, a par dos trabalhos hercúleos que têm sido efetivadas para conciliar a escola dos filhos, de fazer a própria comida em casa, por vezes de fazer as limpezas necessárias, pois, como sabido, a maioria não têm condições de ter empregados e, aqueles que podem em muitas oportunidades estão evitando ter contatos com pessoas para evitar contaminações, desta forma, as pessoas se veem na seguinte encruzilhada: elas acabam o trabalho e não vão embora para casa, pois, afinal, ela já está em casa, de modo que fica conectada nos problemas do trabalho, além dos pessoais.

Em algumas oportunidades os chefes ou colegas de trabalho podem estar abusando disso, trocando mensagens o dia inteiro, dezenas de áudios, sem contar que há nesse período uma enorme quantidade de reuniões (meet, zoom e etc.), eventuais lives para atualização profissional e tudo mais, num momento de isolamento social que Mãe Dináh, Nostradamus e nenhum outro vidente de programa de fofoca da TV imaginaram.

O que pode redundar sobremaneira em estresse e possíveis danos psicológicos de várias naturezas, para muitas pessoas nos próximos meses. Se o home-office pode ser uma situação favorável em termos de deslocamento, em termos de economia do tempo, em termos de economia do espaço físico pelo empregador, de outro lado, para o empregado, talvez esse não seja o melhor dos mundos caso os direitos trabalhistas não estejam sendo respeitados sempre, com eventuais abusos que podem redundar no chamado dano existencial. Além do empregador não pagar um adicional pelos custos de luz, internet, não cuidar da ergonomia do trabalhador e não ter métodos justos de controle de horário. A flexibilização da jornada de trabalho tem que ter limites também. De outro lado, não pode o trabalhador simular horas extras, conforme destacou o Professor Ricardo Souza Calcini[1], alertando sobre notícia da Folha de São Paulo.

Cumpre também dizer que há direitos de lado a lado, o empregador continua com o direito de comando do empregador, o seu poder diretivo, o empregado tem que cumprir os seus prazos, não pode sumir durante o dia, não pode trabalhar de pijamas, cuidar da sua reputação digital e demais situações que decorrem normalmente do contrato de trabalho.

O que o texto busca alertar são eventuais abusos do empregador. Assim, se o emregado for demandado exageradamente, ainda que a pessoa esteja em casa ela não poderá curtir os seus momentos de diversão de tempo com a família, assistir algumas séries para relaxar nas folgas, de modo que continuará a cumprir metas abusivas, o que pode ocorrer inclusive pela crise econômica que o país passa, de modo a obrigar que algumas pessoas aceitem tais condições de trabalho precárias, ainda que em casa, afinal, sobreviver é preciso!

Por todos esses elementos, no Direito aprendemos que sempre há no mínimo dois lados. A tecnologia tem o propósito de nos beneficiar, mas nem sempre isso é possível, cumpre ativar o modus criticus sempre analisando os prós e contras das situações. Estar perto da família é ótimo, não perder tempo com deslocamento também é muito bom, de modo que o trabalho à distância pode ser uma boa alternativa, desde que respeitados os direitos do trabalhador ou empregado, vislumbrando que ele merece um tempo livre para o exercício de sua dignidade humana, seja para cuidar do físico (mente sã e corpo são), para estar com a família, para estudar, para passear, ou para não fazer nada, em suma, usufruir o seu tempo livre que não pode ser usurpado fora dos limites legais e morais.

 

ADRIANO AUGUSTO FIDALGO. Advogado Sênior. Auditor Jurídico. Mestre em Educação. Futebolista amador sênior que ainda faz uns gols. Praticante de “gritoterapia”, nos raros videokês.