GEMIDÃO E A NOTICIADA DISPENSA DO TRABALHADOR.
APLICABILIDADE DO DIREITO DIGITAL E DA EDUCAÇÃO DIGITAL, POR MEIO DO COMPLIANCE
DIGITAL.
FIDALGO, Adriano Augusto[1]
Recentemente uma notícia chamou a atenção no ramo laboral.
A dispensa de um trabalhador por ter recebido no expediente o famoso gemidão[2],
conforme noticiado no G1[3]:
“motofretista de uma
farmácia de Natal foi demitido por justa causa após cair na pegadinha do
'gemidão' do WhatsApp. O caso foi parar na Justiça do Trabalho, onde o
ex-empregado conseguiu reverter a demissão para dispensa sem justa causa. A
empresa alegou que o áudio causou constrangimento e prejuízos financeiros.”
Trata-se de situação de atualidade
extrema, decorrente da chamada sociedade da informação em que, cada vez mais, o
uso da internet, dos aplicativos, dos programas e dispositivos digitais interfere
no nosso cotiado. Afinal, a chamada revolução digital redunda em reflexões
reais nos hábitos das pessoas queiram elas ou não se utilizar da tecnologia que
lhes afeta diretamente.
Perante a Justiça a dispensa por
justa causa do trabalhador foi revertida, convertendo-se em demissão sem justa
causa, concedendo-lhe alguns direitos rescisórios, como sacar o FGTS e a multa
de 40% (quarenta por cento), aviso prévio, saldo salarial, as férias vencidas e
proporcionais mais um terço do salário normal, 13º (décimo terceiro) proporcional
e seguro desemprego, o que não ocorreria em sua totalidade, caso lhe fosse
aplicada a justa causa.
Segundo o artigo 482, da CLT[4]
(Consolidação das Leis do Trabalho), a situação poderia se enquadrar como
incontinência de conduta ou mau procedimento, desídia no desempenho das
respectivas funções e ato de indisciplina ou de insubordinação, respetivamente,
itens b, e e h, do referido artigo 482. Vale notar que o empregado, pela
notícia, não foi advertido ou suspenso, sendo-lhe imposta a pena capital, no
contrato de trabalho, qual seja, a rescisão do contrato de trabalho!
A justa causa deve ser caracterizada
quando revestida de gravidade a conduta do trabalhador, conforme bem ponderou
Martins[5]
(2010; p. 373): “Justa causa é a forma de dispensa decorrente de ato grave
praticado pelo empregado, implicando a cessação do contrato de trabalho por
motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas na lei.”
Como destacado por Almeida[6] (2009;
p. 161): “As demissões por justo motivo impostos pelos empregadores são, em
inúmeras oportunidades, revertidas pela Justiça do Trabalho. Isso porque
normalmente o empregado que é demitido dessa maneira e sai da empresa, como já
vimos, somente com saldo de salário e férias vencidas, se houver, ingressa na
justiça laboral tentando a reversão da demissão e, consequentemente, o
pagamento de todas as parcelas rescisórias”.
O que se nota é que, em tese, ambos
falharam, isto é, o empregador e o empregado, sem se saber de mais detalhes e
nos limites da notícia. O empregado ao usar o seu dispositivo eletrônico em
horário de expediente, atraindo o risco de acontecer algo desagradável, como
ocorrido. E a empregadora que, provavelmente, não lhe treinou vedando o acesso
ao celular durante o horário de labor, sem emitir normas de conduta para que o
acesso ao aparelho móvel fosse limitado durante a jornada de trabalho.
De fato, o empregador tem o poder diretivo na empresa, mas tem que dar
ciência ao trabalhador das proibições no exercício da função para o qual fora o
funcionário contratado. Necessária, então, a chamada Educação Digital. As
empresas, em conjunto com o Estado[7],
conforme o artigo 26 do Marco Civil da Internet, assim devem atuar
preventivamente, conscientizando, para que os trabalhadores saibam das
consequencias do uso da tecnologia que podem interferir inclusive no contrato
de trabalho, conforme relatado acima.
A Educação Digital é um nítido exemplo de matéria
transdisciplinar, como discorrido por MORIN[8],
em que critica a separação das disciplinas: “Esses
poucos exemplos, apressados, fragmentados, pulverizados, dispersos, têm o
propósito de insistir na espantosa variedade de circunstâncias que fazem
progredir as ciências, quando rompem o isolamento entre as disciplinas: seja
pela circulação de conceitos ou de esquemas cognitivos; seja pelas invasões e
interferências, seja pelas complexificações de disciplinas em áreas
policompetentes; seja pela emergência de novos esquemas cognitivos e novas
hipóteses explicativas; e seja, enfim, pela constituição de concepções organizadoras
que permitam articular os domínios disciplinares em um sistema teórico comum”.
Conforme conceitua PINHEIRO[9]:
“Educar na sociedade digital não é apenas ensinar como usar os aparatos
tecnológicos ou fazer efetivo uso da tecnologia no ambiente escolar. Educar é
preparar indivíduos adaptáveis e criativos com habilidades que lhes permitam
lidar facilmente com a rapidez na fluência de informações e transformações. É
preparar cidadãos éticos para um novo mercado de trabalho cujas exigências
tendem a ser maiores que as atuais.”
Em um conceito de nossa autoria se define a Educação Digital como: Conjunto
de metodologias que reflitam em ensino e aprendizagem, com o objetivo de
transmitir conhecimentos éticos e de cidadania, para o uso e acesso de
ambientes digitais, na internet, nos aplicativos, nos programas e demais
sistemas informáticos, respeitando-se a dignidade da pessoa humana e o bem comum.
Logo, inafastável que as empresas atuem preventivamente, ativadas em Compliance Digital, ora antevendo
situações com base na Educação Digital, ora alertando sobre as consequencias
previstas pelo Direito Digital, evitando-se, com isso, a ter que intervir apenas
de modo reativo, com os incidentes já instaurados. Levando em conta a devida
Governança Corporativa, despertando conscientização no uso do instrumental tecnológico,
com o olhar acurado para uma necessária e novidadeira ética digital.
[1] Mestrando
em Educação pela Universidade Nove de Julho (2017/2019). Especialista em
Computação Forense pela Universidade Mackenzie, fidalgo@aasp.org.br.
[2] “O 'gemidão',
como ficou conhecido o áudio nas redes sociais, é atribuido à atriz
norte-americana Alexis Texas, de 32 anos, premiada por vários filmes na
indústria pornográfica. O áudio famoso foi gravado em uma cena do vídeo adulto ‘Alexis
Texas Boxing POV’. No Brasil, até sessões políticas
já foram interrompidas pelo barulho”. Texto reproduzio conforme
destacado na notícia acostada abaixo.
[3] G1. ‘Gemidão' do WhatsApp causa
demissão de entregador de farmácia em Natal. Atualizado: 21/08/17. Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/gemidao-do-whatsapp-causa-demissao-de-entregador-de-farmacia-em-natal.ghtml. Acesso
em: 26/11/17.
[4] BRASIL. Decreto-Lei 5.452,
de 1º de maio de 1943. Aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm. Acesso
em: 26/11/17.
[6] ALMEIDA, André Luiz Paes de. Direito
do Trabalho. Material, Processual e Legislação Especial. 7ª Edição, São
Paulo: Editora Rideel, 2009.
[7] BRASIL. Lei 12.965, de 23
de abril de 2014. Estabelece princípios,
garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm.
Acesso em: 26/11/17. “Art. 26. O cumprimento do dever
constitucional do Estado na prestação da educação, em todos os níveis de
ensino, inclui a capacitação, integrada a outras práticas educacionais, para o
uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o
exercício da cidadania, a promoção da cultura e o desenvolvimento tecnológico”.
[8] MORIN, Edgar. A cabeça bem
feita. Repensar a reforma. Reformar o pensamento. 8ª Edição, Rio de Janeiro,
Bertrand Brasil, 2003, p. 104.
[9] PINHEIRO, Patricia Peck. Direito
Digital. 6ª Edição, São Paulo,
Saraiva, 2016, p. 527.
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