FIDALGO,
Adriano Augusto[1]
Na era da sociedade da informação, de velocidade de
propagação impressionante, mas fulgaz em premissas, como destacado por Baumann,
questiona-se o que é importante. E quais são as certezas que podemos carregar.
Aponto no mínimo três certezas insofismáveis. Primeiro: todos morreremos.
Segundo: pagaremos impostos. Terceiro: necessidade de aprimoramente contínuo,
portanto, de estudar sempre, ou seja, Educação.
Assim, nota-se que, com as novas tecnologias, a forma de
estudar se apresenta sob novas perspectivas. E, para usar tais tecnologias de
modo seguro, ético e aproveitável da melhor maneira possível se pode falar de
Educação Digital. Aqui se preferirá a definição de Educação Digital como algo
ligado a ética digital, a cibercidadania e o respeito ao direito dos demais
indivíduos, respeitando-se as normas de convivência costumeiras e legais.
Como destacou Severino (2012, p. 70), a educação carrega
arraigada em si um elemento conscientizador, indispensável na Era Digital:
A educação é efetivamente uma prática cujo
instrumental é formado por instrumentos simbólicos de trabalho e de ação.
Dirige-se aos educandos interpelando sua subjetividade e investindo no
desenvolvimento desta. Daí a importância do conhecimento teórico no trabalho
educativo e por isso se fala do papel conscientizador da educação.
A aparente incerteza que os elementos digitais geram pode
ser superada, como aqui será enfrentado, em especial considerando as questões
de ética, direitos humanos e a cidadania, como complexo de respeito à dignidade
da pessoa humana norteando as boas condutas e as melhores práticas que todos os
indivíduos merecem receber. Na era digital, ainda é elementar dar o devido
respeito e destaque à perpétua e irrevogável Educação.
A Educação Digital é um nítido exemplo de
matéria transdisciplinar, como discorrido por Morin (2003, p. 104), em tal
excerto que se critica a separação das disciplinas:
Esses poucos exemplos, apressados,
fragmentados, pulverizados, dispersos, têm o propósito de insistir na espantosa
variedade de circunstâncias que fazem progredir as ciências, quando rompem o
isolamento entre as disciplinas: seja pela circulação de conceitos ou de
esquemas cognitivos; seja pelas invasões e interferências, seja pelas
complexificações de disciplinas em áreas policompetentes; seja pela emergência
de novos esquemas cognitivos e novas hipóteses explicativas; e seja, enfim,
pela constituição de concepções organizadoras que permitam articular os
domínios disciplinares em um sistema teórico comum.
Conforme conceitua Pinheiro (2016, p. 527), vislumbra-se
como elementar a efetividade da Educação Digital:
Educar na sociedade
digital não é apenas ensinar como usar os aparatos tecnológicos ou fazer
efetivo uso da tecnologia no ambiente escolar. Educar é preparar indivíduos
adaptáveis e criativos com habilidades que lhes permitam lidar facilmente com a
rapidez na fluência de informações e transformações. É preparar cidadãos éticos
para um novo mercado de trabalho cujas exigências tendem a ser maiores que as
atuais.
De nosso viés, define-se Educação Digital como o conjunto
de metodologias que reflitam em ensino e aprendizagem, com o objetivo de
transmitir conhecimentos éticos e de cidadania, para o uso e acesso de
ambientes digitais, na internet, nos aplicativos, nos programas e demais
sistemas informáticos, respeitando-se a dignidade da pessoa humana e o bem
comum.
Como
advertiu Severino (2014, p. 264), a importância da educação e os juízos de
valor moral vêm abraçando à filosofia para se desvendar tais situações:
É por isso que a filosofia continua buscando fundamentar
também os nossos juízos de valor moral. Por mais que já saibamos que os valores
que embutimos em nossas práticas pessoais cotidianas sejam herdados de nossa
própria cultura, recebendo-os através dos processos informais e formais de
educação, continuamos desafiados a justificá-los, a fundamentá-los, buscando
esclarecer como eles se legitimam e legitimam o nosso agir individual e
coletivo.
As chamadas fake news
se propagam com o nefasto poder de enganar as pessoas, influenciando em
decisões e causando desinformação, a ponto de poder inclusive decidir o
resultado de uma eleição. A manipulação das informações e um declínio da busca
do conhecimento embasado se propagam em dialéticas inférteis e constantes nas
redes sociais.
Compondo uma prova de que a massificação do acesso às redes
não necessariamente detém o papel de melhoria do conhecimento e de um reflexo
numa melhor formação humana, ao contrário, percebe-se uma sensação de pouca
criação de conhecimento original e o efetivo proveito social das ferramentas tecnológicas.
Por exemplo, 55% (cinquenta e cinco por cento) dos brasileiros acreditam que o
Facebook é a internet, conforme frisou Sumares (2017, s/p), referindo-se a uma
pesquisa da Quartz. Com isso, as pessoas que poderiam usar o ecossistema
digital como um espaço totalmente propenso à pesquisa e a autoformarão ficam
limitados apenas ao uso da referida rede social.
Ora, isso faz com que o direito constitucional de liberdade
de expressão, por vezes, seja usado de modo abusivo pelo cidadão comum, o que
redunda na ocorrência de incidentes na esfera digital, inclusive nas redes
sociais. A liberdade de expressão, assim como ocorre com outros direitos, não é
ilimitada, pelo contrário, encontra limites na própria Constituição Federal,
que harmoniza e compatibiliza outros direitos que eventualmente se apresentem
em aparente choque, até mesmo de índole constitucional.
O uso da tecnologia é uma realidade insofismável, como bem
destacado por Piovesan e Munõz (2016), em artigo localizado no sítio das Nações
Unidas, a saber:
Na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, os
estados-membros reconheceram a importância da expansão das tecnologias da
informação, das comunicações e da interconexão mundial, destacando a
necessidade de enfrentar as profundas desigualdades digitais e desenvolver as
sociedades do conhecimento, com base em uma educação inclusiva, equitativa, não
discriminatória, com respeito às diversidades culturais.
Na sociedade global da informação, emergencial é
incorporar o enfoque de direitos humanos por meio de uma educação e cidadania
digitais inspiradas nos valores da liberdade, igualdade, sustentabilidade,
pluralismo e respeito às diversidades.
Vive-se na pós-modernidade, dentro da sociedade da
informação, qual seja, época em que todas as relações são rápidas, com prazo de
validade, fugazes, eis que a celeridade dos tempos e a fragilidade dos valores
vividos assim estampam os relacionamentos do tempo atual.
Cumpre esclarecer que direitos humanos são conquistas
históricas após seculares embates, que acabaram se consagrando e normatizando
pela Organização das Noções Unidas (ONU), pela sua famosa Declaração Universal
dos Direitos Humanos, conforme Enunciados elaborados na Assembleia Geral do dia
10/12/1948. Dentre eles podemos destacar a educação, lá tratada por instrução,
a saber (2009, p. 14):
Artigo XXVI
1. Todo ser humano tem
direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução
técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior,
esta baseada no mérito.
2. A instrução será
orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade
entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
Portanto, a educação ou a instrução se trata de um direito
humano fundamental!
Bem esclarecem Silveira e Rocasolano (op. cit., p. 229) acerca do conceito de direitos humanos, ao
destacarem:
Revisados os fundamentos do conceito de direitos
humanos e das múltiplas definições que existem sobre o conteúdo destes
direitos, optamos por uma definição teleológica, porém explicativa e descritiva
– isto é, que pretenda expressar os elementos estruturais dos direitos humanos
preservando sua continuidade essencial. Mais que isso, optamos por uma
definição que considere não só a dinamogenesis
destes direitos, mas dialogue com a teoria do poder. É a definição de
Pérez-Luño, para quem os direitos humanos são “um conjunto de faculdade e
instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da
dignidade, da liberdade e das igualdades humanas, as quais devem ser
reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e
internacional”.
Nesta ordem de ideias, vale dizer que, a nossa Constituição
preserva diversos direitos inerentes à personalidade humana, tais como a honra,
a imagem, a privacidade, a intimidade, a liberdade de manifestação do
pensamento, a legalidade, o devido processo legal e demais coligados.
Quando se fala de direito a manifestação do pensamento,
especialmente se fazendo um rápido link com direitos humanos, nota-se que
muitos se equivocam entendendo ser este um direito ilimitado e irrestrito. O
que gera um sem número de embates nas redes sociais, com as subsequentes teses
e antíteses disparadas, redundando na exacerbação dos limites do razoável.
Mas
aqui cabem as ponderações do constitucionalista Moraes (1999, ps. 67-68), ao
dispor sobre as consequências do direito da liberdade de pensamento:
A manifestação do pensamento é livre e garantida em
nível constitucional, não aludindo a censura prévia em diversões e espetáculos
públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação
do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com a
consequente responsabilidade civil e penal de seus autores, decorrentes
inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e
controle da matéria que divulga. Atualmente, como ressalta Pinto Ferreira, “o
Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade,
que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da
exteriorização da opinião, como sob o aspecto negativo, referente à proibição
de censura”.
Quanto
aos direitos à honra, a imagem e demais direitos conexos assim destacou Afonso
da Silva (1994, ps. 204-205):
O mesmo dispositivo em análise (art. 5.º, X) declara
invioláveis a honra e a imagem das pessoas. O direito à preservação da honra e
da imagem, como o do nome, não caracteriza propriamente um direito à
privacidade e menos à intimidade. Pode mesmo dizer-se que sequer integra o
conceito de direito à vida privada. A Constituição, com razão, reputa-os
valores humanos distintos. A honra, a imagem, o nome e a identidade pessoal
constituem, pois, objeto de um direito, independente, da personalidade.
Só o despertar de uma consciência digital,
instrumentalizada pela cibercidadania que poderá nos nortear por um caminho
sadio e proveitoso.
Desta maneira, criar uma mentalidade de ética digital é
crucial! Ensinar aos jovens a criar uma reputação digital é elementar.
Prevenindo diversos infortúnios futuros.
Nesta ordem de ideias parece elementar a importância da Educação
Digital. Sem se entender os mecanismos tecnológicos e as suas consequências
todos ficamos à mercê de resultados inesperados. Portanto, fundamental se
entender esse admirável mundo novo para que valores humanos sejam atribuídos para
um exercício ético e respeitoso dentro de tais ambientes digitais, que são uma
só dimensão do mundo real e físico.
De modo compatível, seja respeitada a dignidade da pessoa
humana, destacando o plexo de direitos humanos envolvidos nas situações
digitais, com a preservação e consagração dos direitos a todos devidos,
inclusive no espaço digital, como a liberdade de pensamento, a honra, a
legalidade, a privacidade, a intimidade e os demais inerentes ao sujeito
humano.
O que gerará um despertar para o vero exercício da
Cibercidadania, amparado em elementos de convicção dos riscos e direitos
inerentes ao uso dos beneplácitos tecnológicos, o seu uso ético, com a
necessária conscientização de que isso só é possível com um exercício contínuo
de Educação Digital.
REFERÊNCIAS
AFONSO DA
SILVA, José. Curso de Direito
Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien, Rio de Janeiro:
Zahar, 2001.
MORAES,
Alexandre de. Direito Constitucional.
6ª Edição, São Paulo: Atlas, 1999.
MORIN,
Edgar. A cabeça bem feita. Repensar a
reforma. Reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. 8ª Edição, Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
MUNÕZ, Lucien; PIOVESAN, Flávia. Artigo: Internet e direitos humanos. Nações Unidas. Atualização: 10/11/16.
Disponível em: https://nacoesunidas.org/artigo-internet-direitos-humanos/.
Acesso em: 10.Out.2017.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atualização: 2009. Disponível em: http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf. Acesso em: 31.Mai.18.
PINHEIRO,
Patricia Peck. Direito Digital. 6ª
Edição, São Paulo: Saraiva, 2016.
ROCASOLANO, Maria Mendez; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. Direitos humanos: conceitos,
significados e funções. São
Paulo: Saraiva, 2010.
SEVERINO,
Antônio Joaquim. Educação, sujeito e
história. São Paulo: Olho d’ água, 2012.
_________________________.
Filosofia no Ensino Médio. São
Paulo: Cortez, 2014.
[1] Advogado. Presidente da
Comissão de Direito Digital e Compliance
da Subseção de Santana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Santana). Especialista em Computação
Forense pela Universidade Mackenzie. Mestrando em Educação pela Universidade
Nove de Julho. Autor do Livro: “Reputação Digital no Facebook, Sustentabilidade
Empresarial e o Consumidor: Direito Digital”, lançado pela Amazon. Contato: fidalgo@aasp.org.br. Fone: (11) 947487539.
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