domingo, 15 de julho de 2018

EDUCAÇÃO DIGITAL. ASPECTOS CONCEITUAIS.


FIDALGO, Adriano Augusto[1]

Na era da sociedade da informação, de velocidade de propagação impressionante, mas fulgaz em premissas, como destacado por Baumann, questiona-se o que é importante. E quais são as certezas que podemos carregar. Aponto no mínimo três certezas insofismáveis. Primeiro: todos morreremos. Segundo: pagaremos impostos. Terceiro: necessidade de aprimoramente contínuo, portanto, de estudar sempre, ou seja, Educação.
Assim, nota-se que, com as novas tecnologias, a forma de estudar se apresenta sob novas perspectivas. E, para usar tais tecnologias de modo seguro, ético e aproveitável da melhor maneira possível se pode falar de Educação Digital. Aqui se preferirá a definição de Educação Digital como algo ligado a ética digital, a cibercidadania e o respeito ao direito dos demais indivíduos, respeitando-se as normas de convivência costumeiras e legais.
Como destacou Severino (2012, p. 70), a educação carrega arraigada em si um elemento conscientizador, indispensável na Era Digital:

A educação é efetivamente uma prática cujo instrumental é formado por instrumentos simbólicos de trabalho e de ação. Dirige-se aos educandos interpelando sua subjetividade e investindo no desenvolvimento desta. Daí a importância do conhecimento teórico no trabalho educativo e por isso se fala do papel conscientizador da educação.

A aparente incerteza que os elementos digitais geram pode ser superada, como aqui será enfrentado, em especial considerando as questões de ética, direitos humanos e a cidadania, como complexo de respeito à dignidade da pessoa humana norteando as boas condutas e as melhores práticas que todos os indivíduos merecem receber. Na era digital, ainda é elementar dar o devido respeito e destaque à perpétua e irrevogável Educação.

A Educação Digital é um nítido exemplo de matéria transdisciplinar, como discorrido por Morin (2003, p. 104), em tal excerto que se critica a separação das disciplinas:

Esses poucos exemplos, apressados, fragmentados, pulverizados, dispersos, têm o propósito de insistir na espantosa variedade de circunstâncias que fazem progredir as ciências, quando rompem o isolamento entre as disciplinas: seja pela circulação de conceitos ou de esquemas cognitivos; seja pelas invasões e interferências, seja pelas complexificações de disciplinas em áreas policompetentes; seja pela emergência de novos esquemas cognitivos e novas hipóteses explicativas; e seja, enfim, pela constituição de concepções organizadoras que permitam articular os domínios disciplinares em um sistema teórico comum.

Conforme conceitua Pinheiro (2016, p. 527), vislumbra-se como elementar a efetividade da Educação Digital:
Educar na sociedade digital não é apenas ensinar como usar os aparatos tecnológicos ou fazer efetivo uso da tecnologia no ambiente escolar. Educar é preparar indivíduos adaptáveis e criativos com habilidades que lhes permitam lidar facilmente com a rapidez na fluência de informações e transformações. É preparar cidadãos éticos para um novo mercado de trabalho cujas exigências tendem a ser maiores que as atuais.

De nosso viés, define-se Educação Digital como o conjunto de metodologias que reflitam em ensino e aprendizagem, com o objetivo de transmitir conhecimentos éticos e de cidadania, para o uso e acesso de ambientes digitais, na internet, nos aplicativos, nos programas e demais sistemas informáticos, respeitando-se a dignidade da pessoa humana e o bem comum.
Como advertiu Severino (2014, p. 264), a importância da educação e os juízos de valor moral vêm abraçando à filosofia para se desvendar tais situações:

É por isso que a filosofia continua buscando fundamentar também os nossos juízos de valor moral. Por mais que já saibamos que os valores que embutimos em nossas práticas pessoais cotidianas sejam herdados de nossa própria cultura, recebendo-os através dos processos informais e formais de educação, continuamos desafiados a justificá-los, a fundamentá-los, buscando esclarecer como eles se legitimam e legitimam o nosso agir individual e coletivo.

As chamadas fake news se propagam com o nefasto poder de enganar as pessoas, influenciando em decisões e causando desinformação, a ponto de poder inclusive decidir o resultado de uma eleição. A manipulação das informações e um declínio da busca do conhecimento embasado se propagam em dialéticas inférteis e constantes nas redes sociais.
Compondo uma prova de que a massificação do acesso às redes não necessariamente detém o papel de melhoria do conhecimento e de um reflexo numa melhor formação humana, ao contrário, percebe-se uma sensação de pouca criação de conhecimento original e o efetivo proveito social das ferramentas tecnológicas. Por exemplo, 55% (cinquenta e cinco por cento) dos brasileiros acreditam que o Facebook é a internet, conforme frisou Sumares (2017, s/p), referindo-se a uma pesquisa da Quartz. Com isso, as pessoas que poderiam usar o ecossistema digital como um espaço totalmente propenso à pesquisa e a autoformarão ficam limitados apenas ao uso da referida rede social.
Ora, isso faz com que o direito constitucional de liberdade de expressão, por vezes, seja usado de modo abusivo pelo cidadão comum, o que redunda na ocorrência de incidentes na esfera digital, inclusive nas redes sociais. A liberdade de expressão, assim como ocorre com outros direitos, não é ilimitada, pelo contrário, encontra limites na própria Constituição Federal, que harmoniza e compatibiliza outros direitos que eventualmente se apresentem em aparente choque, até mesmo de índole constitucional.
O uso da tecnologia é uma realidade insofismável, como bem destacado por Piovesan e Munõz (2016), em artigo localizado no sítio das Nações Unidas, a saber:

Na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, os estados-membros reconheceram a importância da expansão das tecnologias da informação, das comunicações e da interconexão mundial, destacando a necessidade de enfrentar as profundas desigualdades digitais e desenvolver as sociedades do conhecimento, com base em uma educação inclusiva, equitativa, não discriminatória, com respeito às diversidades culturais.
Na sociedade global da informação, emergencial é incorporar o enfoque de direitos humanos por meio de uma educação e cidadania digitais inspiradas nos valores da liberdade, igualdade, sustentabilidade, pluralismo e respeito às diversidades.

Vive-se na pós-modernidade, dentro da sociedade da informação, qual seja, época em que todas as relações são rápidas, com prazo de validade, fugazes, eis que a celeridade dos tempos e a fragilidade dos valores vividos assim estampam os relacionamentos do tempo atual.
Cumpre esclarecer que direitos humanos são conquistas históricas após seculares embates, que acabaram se consagrando e normatizando pela Organização das Noções Unidas (ONU), pela sua famosa Declaração Universal dos Direitos Humanos, conforme Enunciados elaborados na Assembleia Geral do dia 10/12/1948. Dentre eles podemos destacar a educação, lá tratada por instrução, a saber (2009, p. 14):

Artigo XXVI
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

Portanto, a educação ou a instrução se trata de um direito humano fundamental!
Bem esclarecem Silveira e Rocasolano (op. cit., p. 229) acerca do conceito de direitos humanos, ao destacarem:

Revisados os fundamentos do conceito de direitos humanos e das múltiplas definições que existem sobre o conteúdo destes direitos, optamos por uma definição teleológica, porém explicativa e descritiva – isto é, que pretenda expressar os elementos estruturais dos direitos humanos preservando sua continuidade essencial. Mais que isso, optamos por uma definição que considere não só a dinamogenesis destes direitos, mas dialogue com a teoria do poder. É a definição de Pérez-Luño, para quem os direitos humanos são “um conjunto de faculdade e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e das igualdades humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional”.

Nesta ordem de ideias, vale dizer que, a nossa Constituição preserva diversos direitos inerentes à personalidade humana, tais como a honra, a imagem, a privacidade, a intimidade, a liberdade de manifestação do pensamento, a legalidade, o devido processo legal e demais coligados.
Quando se fala de direito a manifestação do pensamento, especialmente se fazendo um rápido link com direitos humanos, nota-se que muitos se equivocam entendendo ser este um direito ilimitado e irrestrito. O que gera um sem número de embates nas redes sociais, com as subsequentes teses e antíteses disparadas, redundando na exacerbação dos limites do razoável.
Mas aqui cabem as ponderações do constitucionalista Moraes (1999, ps. 67-68), ao dispor sobre as consequências do direito da liberdade de pensamento:

A manifestação do pensamento é livre e garantida em nível constitucional, não aludindo a censura prévia em diversões e espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com a consequente responsabilidade civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive de publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e controle da matéria que divulga. Atualmente, como ressalta Pinto Ferreira, “o Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade, que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob o aspecto negativo, referente à proibição de censura”.

Quanto aos direitos à honra, a imagem e demais direitos conexos assim destacou Afonso da Silva (1994, ps. 204-205):

O mesmo dispositivo em análise (art. 5.º, X) declara invioláveis a honra e a imagem das pessoas. O direito à preservação da honra e da imagem, como o do nome, não caracteriza propriamente um direito à privacidade e menos à intimidade. Pode mesmo dizer-se que sequer integra o conceito de direito à vida privada. A Constituição, com razão, reputa-os valores humanos distintos. A honra, a imagem, o nome e a identidade pessoal constituem, pois, objeto de um direito, independente, da personalidade.

Só o despertar de uma consciência digital, instrumentalizada pela cibercidadania que poderá nos nortear por um caminho sadio e proveitoso.
Desta maneira, criar uma mentalidade de ética digital é crucial! Ensinar aos jovens a criar uma reputação digital é elementar. Prevenindo diversos infortúnios futuros.
Nesta ordem de ideias parece elementar a importância da Educação Digital. Sem se entender os mecanismos tecnológicos e as suas consequências todos ficamos à mercê de resultados inesperados. Portanto, fundamental se entender esse admirável mundo novo para que valores humanos sejam atribuídos para um exercício ético e respeitoso dentro de tais ambientes digitais, que são uma só dimensão do mundo real e físico.
De modo compatível, seja respeitada a dignidade da pessoa humana, destacando o plexo de direitos humanos envolvidos nas situações digitais, com a preservação e consagração dos direitos a todos devidos, inclusive no espaço digital, como a liberdade de pensamento, a honra, a legalidade, a privacidade, a intimidade e os demais inerentes ao sujeito humano.
O que gerará um despertar para o vero exercício da Cibercidadania, amparado em elementos de convicção dos riscos e direitos inerentes ao uso dos beneplácitos tecnológicos, o seu uso ético, com a necessária conscientização de que isso só é possível com um exercício contínuo de Educação Digital.

REFERÊNCIAS

AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien, Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6ª Edição, São Paulo: Atlas, 1999.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Repensar a reforma. Reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina. 8ª Edição, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

MUNÕZ, Lucien; PIOVESAN, Flávia. Artigo: Internet e direitos humanos. Nações Unidas. Atualização: 10/11/16. Disponível em: https://nacoesunidas.org/artigo-internet-direitos-humanos/. Acesso em: 10.Out.2017.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Atualização: 2009. Disponível em: http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf. Acesso em: 31.Mai.18.

PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2016.

ROCASOLANO, Maria Mendez; SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. Direitos humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’ água, 2012.

_________________________. Filosofia no Ensino Médio. São Paulo: Cortez, 2014.


[1] Advogado. Presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da Subseção de Santana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Santana). Especialista em Computação Forense pela Universidade Mackenzie. Mestrando em Educação pela Universidade Nove de Julho. Autor do Livro: “Reputação Digital no Facebook, Sustentabilidade Empresarial e o Consumidor: Direito Digital”, lançado pela Amazon. Contato: fidalgo@aasp.org.br. Fone: (11) 947487539.

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