sábado, 10 de maio de 2014

DO DEVER DE INDENIZAR PELAS CONCESSIONÁRIAS - EM CASO DE O VEÍCULO NÃO SER ENTREGUE NO PRAZO CONTRATADO

1.        O empresariado que pretende atuar em qualquer área deve estar preparado para as particularidades do seu ramo. Assim também na área de venda de automóveis, por onde as concessionárias e as agências só podem vender veículos que já tenham recebido das montadoras, compondo seu estoque. Vender sem dispor se trata de overbooking (sobrevenda) automotivo. Isso, quando, tais concessionárias não cobram ágil para “arrumar” um carro, pois não há “disponibilidade” no mercado.
2.        Quando alguém compra um veículo ele deve ser entregue no prazo combinado no ato da compra (artigos 481 a 504, do Código Civil, rezam, amplamente sobre a compra e venda). A atividade descrita, evidentemente, caracteriza-se como uma prestação de serviço prevista no Código de Defesa do Consumidor. De um lado, temos o fornecedor, personificado nas pessoas da montadora e da concessionária (ou agência), e do outro lado o consumidor, lesado em seu direito, ensejando a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores.
3.        Dita responsabilidade objetiva e solidária das empresas fornecedoras, ou seja, aquela que independe dos elementos dolo ou culpa para a sua configuração, emerge do contrato de consumo celebrado entre as partes, e encontra previsão legal no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Contrato de adesão, vale repisar.
4.        No caso ora em análise, constata-se que há vício na qualidade do serviço, na medida em que não correspondente à expectativa do consumidor, pois é inadmissível que o consumidor receba um produto de primeira necessidade com atraso, pois quebra sua programação pessoal e profissional.
5.        O atraso na entrega do automóvel esbarra em vários preceitos contidos no Código Consumerista e no Código Civil, em especial se aplicando os comandos legais dos artigos 35 e 39 do CDC, e também os artigos 186 e 927, do CC.
6.        Neste sentido, vale trazer a colação decisão do Superior Tribunal de Justiça, em que se destaca a responsabilidade solidária da concessionária e da fabricante, como segue:


Processo
REsp 1155730 / SP
RECURSO ESPECIAL
2009/0197472-1
Relator(a)
Ministro SIDNEI BENETI (1137)
Órgão Julgador
T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento
16/08/2011
Data da Publicação/Fonte
DJe 09/09/2011
LEXSTJ vol. 266 p. 81
Ementa
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COMPRA DE AUTOMÓVEL. CONCESSIONÁRIA. ENTREGA. NÃO OCORRÊNCIA.  RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE. ART. 18 DA LEI N. 8.078/90.
1.- Em princípio, considerando o sistema de comercialização de automóvel, através de concessionárias autorizadas, são solidariamente responsáveis o fabricante e o comerciante que aliena o veículo.
2.-  Tratando-se de responsabilidade solidária, a demanda pode ser direcionada contra qualquer dos co-obrigados. A existência de solidariedade, no entanto, não impede que seja apurado, no caso concreto, o nexo de causalidade entre as condutas dos supostos responsáveis para concluir-se pela responsabilidade de apenas um deles.
3.- Recurso Especial provido para restabelecer a sentença de 1º Grau, que julgou procedente a ação (e-Stj, fls. 169, autos originários, fls. 165).
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Referência Legislativa
LEG:FED LEI:008078 ANO:1990
*****  CDC-90    CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
ART:00018
Veja
STJ - REsp 402356-MA, REsp 402356-MA

7.        Infelizmente o Judiciário paulista tem entendido tal situação como mero aborrecimento. Como segue:

Relator(a): Hamid Bdine
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 29ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 23/10/2013
Data de registro: 23/10/2013
Outros números: 6288772020088260001
Ementa: Responsabilidade civil. Compra e venda de bem móvel. Automóvel zero quilômetro. Atraso injustificado da entrega pela concessionária. Não comprovação de que o veículo se encontrava disponível para retirada na data avençada pelas partes. Ônus de prova da fornecedora. Teoria da distribuição dinâmica da carga probatória. Dano moral não configurado. Ausência de demonstração de lesão grave à dignidade humana. Inadimplemento contratual que, por si, não configura ofensa anormal à personalidade. Recurso provido.

8.        Contudo, mesmo o Judiciário se apresentando claudicante sobre o tema, em São Paulo existe a Lei de Entrega (13.747/09) que deve ser observada, conforme posição do PROCON (In: http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=1358; visitado em: 19/11/13), nestes termos: “A lei estadual assegura maior transparência e consequentemente torna mais equilibrada a relação entre consumidor e fornecedor. A ausência de informações tão básicas quanto à data precisa e respectivo turno para entrega de produtos ou realização de serviços fere o mais básico dos diretos do consumidor: o direito à informação. Portanto, as empresas têm o dever de atentar para o cumprimento da legislação. O consumidor, por sua vez, tem um papel fundamental, pois é sobretudo por meio das denúncias que teremos condição de aplicar a legislação e punir aqueles que a desrespeitarem.”, afirma o diretor de fiscalização Paulo Arthur Góes.
9.        Neste mesmo sentir, a opinião do IDEC, que se comunga (In: http://www.idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/comprou-veiculo-zero-e-no-recebeu-no-prazo-estipulado-saiba-como-proceder; visitado em: 19/11/13), assim expondo: Se mesmo assim houver atraso na entrega, o consumidor está protegido pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor), que prevê que essa prática se caracteriza como descumprimento de oferta (art. 35). “Nesse caso, o consumidor poderá exigir tanto da concessionária quanto do fabricante do veículo, alternativamente: o cumprimento forçado da entrega do veículo ou outro veículo equivalente ou ainda o cancelamento da compra com a devolução da quantia paga com a devida correção monetária”, explica Printes. “Caso o consumidor seja lesado com esse atraso, ele pode ainda pedir, judicialmente, uma indenização pelos prejuízos sofridos”.
10.     Dessa feita, com base na proteção constitucional (art. 5º, XXXII, da CF: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor) e na legislação protecionista do consumidor, urge que as concessionárias que atrasem na entrega dos automóveis sejam compelidas ao pagamento de indenização por danos morais a serem arbitrados pelo Judiciário, além de eventuais danos materiais (por exemplo, gastos com táxi, serviços perdidos e demais prejuízos demonstrados) como medida de reprimenda à conduta abusiva e ilegal praticada por tais empresas, evitando a reincidência e para que primem, dali por diante, pelo respeito ao consumidor!
11.     Os danos morais caracterizam-se pelo desgaste físico e psíquico anormal enfrentado pelo adquirente, e devem ser reparados, conforme garantia constitucional, na exata proporção em que sofridos, vedada qualquer limitação contratual ou legal.
12.     No presente caso, o desgaste causado pelo descaso das empresas que fixam prazos que não cumprem, uma vez que suas atitudes acarretaram em enormes frustrações e aborrecimentos, além de estresses e angústia por sujeitar o consumidor à situação humilhante e vexatória – por exemplo, ter que pedir um veículo emprestado, carona, andar de coletivos quando não se tem tal hábito – de quase implorar para receber seu produto já pago, no mais das vezes.
13.     Incabível, ademais, provar-se que o dano de cunho moral efetivamente ocorreu, quando, na verdade, o que se pode comprovar é a existência do fato que causou o sentimento de dor, indignação, ou mesmo ofensa à honra e à integridade física do adquirente, seja pela propaganda enganosa, seja pelo descumprimento da oferta, conforme acima entabulado.
14.     Não é demais relembrar-se que aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, conforme disposto no artigo 186 do Código Civil.
15.     Assim, uma vez reconhecida a existência do dano moral, e o consequente direito à indenização dele decorrente, necessário fixar o quantum pecuniário a ser considerado, não só para efeitos de reparação do prejuízo, mas principalmente sob o caráter punitivo das empresas inadimplentes com a entrega, visando compensar o dano moral sofrido pela parte lesada.
16.     Como já disse anteriormente, fala-se muito de indústria do dano moral, mas, ao que se vê, impera de modo tirânico a indústria do desrespeito ao consumidor, com um Judiciário que tem que tirar a venda que lhe tapa os olhos, pois, por equidade, cada qual deve ser respeitado na sua desigualdade, não podem as empresas continuar lesando os consumidores com tanta volúpia, dada a hipossuficiências/vulnerabilidades destes perante aquelas, reconhecidos legalmente e moralmente. Deve o Judiciário equilibrar o jogo com indenizações pesadas e exemplares, pois, afigura-se desleal um duelo de canivete contra uma bazuca, como se vê no dia a dia.

ADRIANO AUGUSTO FIDALGO.
Advogado.
Corretor de Imóveis.
Auditor Jurídico.
Auditor em concursos promocionais (Avon, Sadia, Centauro, Santander e outros).
Bacharel em Ciências Jurídicas.
Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco.
Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP.
MBA em Auditoria pela Universidade Nove de Julho.
Membro da Comissão de Direito do Consumidor, da Subsecção da OAB/Santana.
Detentor de diversos cursos perante a OAB/SP.

Titular da Fidalgo Assessoria.

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