1.
O
empresariado que pretende atuar em qualquer área deve estar preparado para as
particularidades do seu ramo. Assim também na área de venda de automóveis, por
onde as concessionárias e as agências só podem vender veículos que já tenham
recebido das montadoras, compondo seu estoque. Vender sem dispor se trata de overbooking
(sobrevenda) automotivo. Isso, quando, tais concessionárias não cobram ágil
para “arrumar” um carro, pois não há “disponibilidade” no mercado.
2.
Quando
alguém compra um veículo ele deve ser entregue no prazo combinado no ato da
compra (artigos 481 a 504, do Código Civil, rezam, amplamente sobre a compra e
venda). A atividade descrita, evidentemente, caracteriza-se como uma prestação
de serviço prevista no Código de Defesa do Consumidor. De um lado, temos o
fornecedor, personificado nas pessoas da montadora e da concessionária (ou
agência), e do outro lado o consumidor, lesado em seu direito, ensejando a
responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores.
3.
Dita
responsabilidade objetiva e solidária das empresas fornecedoras, ou seja,
aquela que independe dos elementos dolo ou culpa para a sua configuração,
emerge do contrato de consumo celebrado entre as partes, e encontra previsão
legal no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Contrato de adesão, vale
repisar.
4.
No
caso ora em análise, constata-se que há vício na qualidade do serviço, na
medida em que não correspondente à expectativa do consumidor, pois é
inadmissível que o consumidor receba um produto de primeira necessidade com
atraso, pois quebra sua programação pessoal e profissional.
5.
O
atraso na entrega do automóvel esbarra em vários preceitos contidos no Código
Consumerista e no Código Civil, em especial se aplicando os comandos legais dos
artigos 35 e 39 do CDC, e também os artigos 186 e 927, do CC.
6.
Neste
sentido, vale trazer a colação decisão do Superior Tribunal de Justiça, em que
se destaca a responsabilidade solidária da concessionária e da fabricante, como
segue:
Processo
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REsp
1155730 / SP
RECURSO ESPECIAL 2009/0197472-1 |
Relator(a)
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Ministro
SIDNEI BENETI (1137)
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Órgão
Julgador
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T3
- TERCEIRA TURMA
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Data
do Julgamento
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16/08/2011
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Data
da Publicação/Fonte
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DJe
09/09/2011
LEXSTJ vol. 266 p. 81 |
Ementa
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RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COMPRA DE AUTOMÓVEL. CONCESSIONÁRIA. ENTREGA. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE. ART. 18 DA LEI N. 8.078/90.
1.- Em princípio, considerando o sistema de comercialização de automóvel, através de concessionárias autorizadas, são solidariamente responsáveis o fabricante e o comerciante que aliena o veículo.
2.- Tratando-se de responsabilidade solidária, a demanda pode ser direcionada contra qualquer dos co-obrigados. A existência de solidariedade, no entanto, não impede que seja apurado, no caso concreto, o nexo de causalidade entre as condutas dos supostos responsáveis para concluir-se pela responsabilidade de apenas um deles.
3.- Recurso Especial provido para restabelecer a sentença de 1º Grau, que julgou procedente a ação (e-Stj, fls. 169, autos originários, fls. 165).
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Acórdão
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Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
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Referência
Legislativa
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LEG:FED LEI:008078 ANO:1990
***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
ART:00018
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Veja
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STJ - REsp 402356-MA, REsp 402356-MA
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7.
Infelizmente
o Judiciário paulista tem entendido tal situação como mero aborrecimento. Como
segue:
0628877-20.2008.8.26.0001 Apelação
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Relator(a):
Hamid
Bdine
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Comarca:
São
Paulo
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Órgão
julgador: 29ª
Câmara de Direito Privado
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Data
do julgamento: 23/10/2013
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Data
de registro: 23/10/2013
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Outros
números: 6288772020088260001
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Ementa: Responsabilidade civil. Compra e
venda de bem móvel. Automóvel zero quilômetro. Atraso injustificado da entrega
pela concessionária. Não
comprovação de que o veículo
se encontrava disponível para retirada na data avençada pelas partes. Ônus de
prova da fornecedora. Teoria da distribuição dinâmica da carga probatória.
Dano moral não configurado. Ausência de demonstração de lesão grave à
dignidade humana. Inadimplemento contratual que, por si, não configura ofensa
anormal à personalidade. Recurso provido.
|
8.
Contudo, mesmo o Judiciário se apresentando claudicante sobre
o tema, em São Paulo existe a Lei de Entrega (13.747/09) que deve ser
observada, conforme posição do PROCON (In: http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=1358;
visitado em: 19/11/13), nestes termos: “A lei estadual assegura maior transparência
e consequentemente torna mais equilibrada a relação entre consumidor e
fornecedor. A ausência de informações tão básicas quanto à data precisa e
respectivo turno para entrega de produtos ou realização de serviços fere o mais
básico dos diretos do consumidor: o direito à informação. Portanto, as empresas
têm o dever de atentar para o cumprimento da legislação. O consumidor, por sua
vez, tem um papel fundamental, pois é sobretudo por meio das denúncias que
teremos condição de aplicar a legislação e punir aqueles que a
desrespeitarem.”, afirma o diretor de fiscalização Paulo Arthur Góes.
9.
Neste mesmo sentir, a opinião do IDEC, que se comunga (In:
http://www.idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/comprou-veiculo-zero-e-no-recebeu-no-prazo-estipulado-saiba-como-proceder;
visitado em: 19/11/13), assim expondo: Se mesmo assim houver atraso na entrega,
o consumidor está protegido pelo CDC (Código de Defesa do Consumidor), que
prevê que essa prática se caracteriza como descumprimento de oferta (art. 35).
“Nesse caso, o consumidor poderá exigir tanto da concessionária quanto do
fabricante do veículo, alternativamente: o cumprimento forçado da entrega do
veículo ou outro veículo equivalente ou ainda o cancelamento da compra com a
devolução da quantia paga com a devida correção monetária”, explica Printes.
“Caso o consumidor seja lesado com esse atraso, ele pode ainda pedir, judicialmente,
uma indenização pelos prejuízos sofridos”.
10.
Dessa
feita, com base na proteção constitucional (art. 5º, XXXII, da CF: o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor) e na legislação
protecionista do consumidor, urge que as concessionárias que atrasem na entrega
dos automóveis sejam compelidas ao pagamento de indenização por danos morais a
serem arbitrados pelo Judiciário, além de eventuais danos materiais (por
exemplo, gastos com táxi, serviços perdidos e demais prejuízos demonstrados)
como medida de reprimenda à conduta abusiva e ilegal praticada por tais
empresas, evitando a reincidência e para que primem, dali por diante, pelo
respeito ao consumidor!
11.
Os
danos morais caracterizam-se pelo desgaste físico e psíquico anormal enfrentado
pelo adquirente, e devem ser reparados, conforme garantia constitucional, na
exata proporção em que sofridos, vedada qualquer limitação contratual ou legal.
12.
No
presente caso, o desgaste causado pelo descaso das empresas que fixam prazos
que não cumprem, uma vez que suas atitudes acarretaram em enormes frustrações e
aborrecimentos, além de estresses e angústia por sujeitar o consumidor à
situação humilhante e vexatória – por exemplo, ter que pedir um veículo
emprestado, carona, andar de coletivos quando não se tem tal hábito – de quase
implorar para receber seu produto já pago, no mais das vezes.
13.
Incabível,
ademais, provar-se que o dano de cunho moral efetivamente ocorreu, quando, na
verdade, o que se pode comprovar é a existência do fato que causou o sentimento
de dor, indignação, ou mesmo ofensa à honra e à integridade física do
adquirente, seja pela propaganda enganosa, seja pelo descumprimento da oferta,
conforme acima entabulado.
14.
Não
é demais relembrar-se que aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito, conforme disposto no artigo 186 do Código Civil.
15.
Assim,
uma vez reconhecida a existência do dano moral, e o consequente direito à
indenização dele decorrente, necessário fixar o quantum pecuniário a ser
considerado, não só para efeitos de reparação do prejuízo, mas principalmente
sob o caráter punitivo das empresas inadimplentes com a entrega, visando
compensar o dano moral sofrido pela parte lesada.
16.
Como
já disse anteriormente, fala-se muito de indústria do dano moral, mas, ao que
se vê, impera de modo tirânico a indústria do desrespeito ao consumidor, com um
Judiciário que tem que tirar a venda que lhe tapa os olhos, pois, por equidade,
cada qual deve ser respeitado na sua desigualdade, não podem as empresas
continuar lesando os consumidores com tanta volúpia, dada a
hipossuficiências/vulnerabilidades destes perante aquelas, reconhecidos
legalmente e moralmente. Deve o Judiciário equilibrar o jogo com indenizações
pesadas e exemplares, pois, afigura-se desleal um duelo de canivete contra uma
bazuca, como se vê no dia a dia.
ADRIANO AUGUSTO
FIDALGO.
Advogado.
Corretor de Imóveis.
Auditor Jurídico.
Auditor em concursos
promocionais (Avon, Sadia, Centauro, Santander e outros).
Bacharel em Ciências
Jurídicas.
Especialista em
Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco.
Especialista em
Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP.
MBA em Auditoria pela
Universidade Nove de Julho.
Membro da Comissão de
Direito do Consumidor, da Subsecção da OAB/Santana.
Detentor de diversos
cursos perante a OAB/SP.
Titular da Fidalgo
Assessoria.
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