Este breve texto tem o objetivo de levantar algumas circunstâncias da nossa atualidade, considerando especialmente a questão do isolamento social. Não tem objetivo científico, apesar de ser possível tomar esse caminho com mais pesquisas já que o tema é de grande pontualidade e interdisciplinaridade, mas apenas trazer um alerta do cotidiano.
Em termos de
significados, sem refinamentos técnicos, conforme segue. Pandemia: vamos
considerar ela e o isolamento social provocado. Home-office: a modalidade de trabalho desenvolvida em casa por
alguns trabalhadores. Direito à desconexão: o direito humano do trabalhador de
cumprir o seu merecido descanso, após a pactuada jornada de trabalho dentro da
lei. Dano existencial: o dano decorrente do excessivo e abusivo trabalho decorrente
de relação de emprego que pode gerar situações devastadoras na vida pessoal do
indivíduo.
Com estes parâmetros,
como sabido, a Justiça do Trabalho já reconheceu há alguns anos o direito do
trabalhador ficar desconectado, ou seja, ele ter o tempo livre para estar com a
família poder passear, poder se cuidar e etc. Ou seja, em várias situações que se
referem à órbita pessoal do trabalhador que não podem ser afetados pelos comandos
da relação de emprego, após o horário de trabalho quando a pessoa tem o direito
de exercitar sua dignidade, de fazer as coisas que gosta, de aproveitar a vida,
pois, o emprego ou trabalho são apenas uma dimensão da vida.
No entanto, neste tempo
com a atual Pandemia, com o chamado home-office
(trabalho à distância ou teletrabalho) as pessoas não estão se desligando do
ambiente trabalho e empresa, no seguinte sentido. Por vários motivos, a par dos
trabalhos hercúleos que têm sido efetivadas para conciliar a escola dos filhos,
de fazer a própria comida em casa, por vezes de fazer as limpezas necessárias,
pois, como sabido, a maioria não têm condições de ter empregados e, aqueles que
podem em muitas oportunidades estão evitando ter contatos com pessoas para
evitar contaminações, desta forma, as pessoas se veem na seguinte encruzilhada:
elas acabam o trabalho e não vão embora para casa, pois, afinal, ela já está em
casa, de modo que fica conectada nos problemas do trabalho, além dos pessoais.
Em algumas oportunidades
os chefes ou colegas de trabalho podem estar abusando disso, trocando mensagens
o dia inteiro, dezenas de áudios, sem contar que há nesse período uma enorme
quantidade de reuniões (meet, zoom e etc.), eventuais lives para atualização profissional e tudo mais, num momento de
isolamento social que Mãe Dináh, Nostradamus e nenhum outro vidente de programa
de fofoca da TV imaginaram.
O que pode redundar
sobremaneira em estresse e possíveis danos psicológicos de várias naturezas,
para muitas pessoas nos próximos meses. Se o home-office pode ser uma situação favorável em termos de
deslocamento, em termos de economia do tempo, em termos de economia do espaço
físico pelo empregador, de outro lado, para o empregado, talvez esse não seja o
melhor dos mundos caso os direitos trabalhistas não estejam sendo respeitados sempre,
com eventuais abusos que podem redundar no chamado dano existencial. Além do
empregador não pagar um adicional pelos custos de luz, internet, não cuidar da
ergonomia do trabalhador e não ter métodos justos de controle de horário. A
flexibilização da jornada de trabalho tem que ter limites também. De outro
lado, não pode o trabalhador simular horas extras, conforme destacou o
Professor Ricardo Souza Calcini[1], alertando sobre notícia
da Folha de São Paulo.
Cumpre também dizer
que há direitos de lado a lado, o empregador continua com o direito de comando
do empregador, o seu poder diretivo, o empregado tem que cumprir os seus
prazos, não pode sumir durante o dia, não pode trabalhar de pijamas, cuidar da
sua reputação digital e demais situações que decorrem normalmente do contrato
de trabalho.
O que o texto busca
alertar são eventuais abusos do empregador. Assim, se o emregado for demandado
exageradamente, ainda que a pessoa esteja em casa ela não poderá curtir os seus
momentos de diversão de tempo com a família, assistir algumas séries para relaxar
nas folgas, de modo que continuará a cumprir metas abusivas, o que pode ocorrer
inclusive pela crise econômica que o país passa, de modo a obrigar que algumas
pessoas aceitem tais condições de trabalho precárias, ainda que em casa, afinal,
sobreviver é preciso!
Por todos esses
elementos, no Direito aprendemos que sempre há no mínimo dois lados. A tecnologia
tem o propósito de nos beneficiar, mas nem sempre isso é possível, cumpre
ativar o modus criticus sempre
analisando os prós e contras das situações. Estar perto da família é ótimo, não
perder tempo com deslocamento também é muito bom, de modo que o trabalho à
distância pode ser uma boa alternativa, desde que respeitados os direitos do
trabalhador ou empregado, vislumbrando que ele merece um tempo livre para o
exercício de sua dignidade humana, seja para cuidar do físico (mente sã e corpo
são), para estar com a família, para estudar, para passear, ou para não fazer
nada, em suma, usufruir o seu tempo livre que não pode ser usurpado fora dos
limites legais e morais.
ADRIANO
AUGUSTO FIDALGO. Advogado Sênior. Auditor Jurídico. Mestre em
Educação. Futebolista amador sênior que ainda faz uns gols. Praticante de “gritoterapia”,
nos raros videokês.
[1] Disponível
em: https://www.ricardocalcini.com/post/tentar-burlar-jornada-no-home-office-leva-a-puni%C3%A7%C3%B5es-pela-empresa.
Acesso em: 19 Ago. 2020.