sábado, 10 de maio de 2014

O ATENDIMENTO HOSPITALAR E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Em épocas eleitorais que notamos o quão falaciosos são os argumentos envolventes dos políticos, especialmente os que buscam exaltar as fórmulas mágicas para um problema que se eterniza: a má prestação de atendimento médico à população.
            Considerando ser o Brasil um dos países que detém a maior carga tributária do mundo, tudo isso traz consigo uma fórmula perversa. Os países que não disponibilizam uma rede de saúde pública pouco tributam, repassando tal encargo à iniciativa privada. Já as nações que detêm mais tributos, ao contrário, oferecem ótimos serviços estatais de saúde. Portanto, nosso país (Estado) aderiu à uma prática espúria, malévola e sem sentido, já que mesmo praticando tributação excessiva nada reverte ao bem comum.
            Desta forma, pode-se deduzir que, um dos motivos desta ineficácia estatal parece ser induzir as pessoas que tem “um pouco mais de condições” a migrar para os planos de saúde privados. Mas o problema não se resolve por aí, nos planos de saúde e seguro saúde também os entraves acontecem. Vemos, por todos os lados, associados que tem corriqueiramente uma cirurgia negada, um exame não atendido, tratamentos interrompidos, falta de cobertura, alegações de descumprimento de carências, aumentos exorbitantes pelas mudanças de faixa etária, enfim, inúmeros problemas, já que a mercantilização da vida se mostra instaurada.
            Sendo certo que, em tais e quais casos, a obrigação é do Estado, tanto de bem prestar o seu serviço, inclusive com o pagamento de medicamentos e tratamentos que não existam na sua rede pública aos necessitados, ou, fiscalizar a qualidades dos serviços prestados pelos planos de saúde, em um primeiro plano, por meio da ANS (Agência Nacional de Saúde) e, de um modo geral, por todos desde que visualizados o desrespeito a lei ou, o que é mais importante: o princípio da dignidade da pessoa humana.
            O Estado Democrático de Direito Brasileiro, em seu artigo 1°, inciso III, elenca como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Como prenunciou o saudoso jurista, professor Miguel Reale, na sua famosa teoria tridimensional do direito, este se afigura composto de fato, valor e norma. A dignidade da pessoa humana nascida de um princípio (fato), embrenha-se no lato conceito de justo (valor), de maneira que, materializou-se em lei (norma), tornando-se direito do cidadão e dever indescupável do Estado.
            Antes de ser normatizado no Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana remonta suas origens insculpidas no Catecismo da Igreja Católica (Encíclicas como a Rerum Novarum, Quadragésimo Ano, Mater et Magistra, Populorum Progressio e etc.), na sua doutrina social. Donde a pessoa, todo e qualquer homem (ser humano), criatura de Deus, merece um tratamento digno, não degradante, onde lhe sejam garantidas as mínimas condições de manutenção de sua condição humana, ou seja, o requisito é ser humano, que tais prerrogativas lhe devem ser natas, saltam do direito natural, merecendo apenas o legítimo reconhecimento e aplicação.
            Exatamente isso que vislumbramos estar sendo todos os dias desrespeitado, ignorado e aniquilado nos hospitais do Brasil. Nem mesmo os hospitais dos planos de saúde escapam às barbaridades que resultam em tratamento desumano, rompendo com as premissas expostas. Renegando as pessoas as garantias mínimas, as necessidades essenciais que, toda e qualquer pessoa merece receber, notadamente quando a sua saúde está debilitava, carecendo de uma atenção singular, ainda mais qualificada.
            Assim, crentes de que todos os que falham nesta engrenagem (políticos, empresários, médicos, atendentes, profissionais da saúde e etc.) prestarão contas ao Arquiteto do Universo pelo descumprimento do preceito bíblico – amar o próximo como a ti mesmo – devemos exigir, também, que se cumpra a lei, pois não é possível que se trate as vidas de pessoas como mais um negócio (muito rentável!), perpetuando-se indefinidamente essa inglória ilegalidade. Isso tem que acabar!
            As omissões e ações geram conseqüências. Senão pela fundamentação principiológica (de valores, moral e ética) a reparação desse mal deve ser equilibrada pela via legal, pois, pelo famoso “deixa para lá” que os infortúnios acabam prevalecendo. Devemos exigir nossos direitos, valendo ressaltar que, o desrespeito evidente da dignidade da pessoa humana (princípio atemporal, imutável, universal e indisponível) com o outro hoje poderá ser amanhã vivenciado por nós, numa qualquer dessas filas. O problema é pontual, corriqueiro, grave e que todos nós devemos dar a devida importância, pois, mude-se o que deve ser mudado!

São Paulo, 26 de janeiro de 2010.



Adriano Augusto Fidalgo

Advogado. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco. Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP.

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