sábado, 10 de maio de 2014

O AUMENTO DO IPTU NA CIDADE DE SÃO PAULO – VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS?

Não achei nada escrito de peso ainda na internet, mas vou me arriscar no tema com algumas breves pinceladas. Conforme divulgado (In: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/10/1364184-camara-de-sp-aprova-aumento-do-iptu-veja-como-votaram-os-55-vereadores.shtml; visitado em: 30/10/13) a Câmara de São Paulo aprovou na noite desta terça-feira (29/10/13), por 29 votos favoráveis e 26 contrários, o projeto que aumenta o IPTU na cidade. Com a mudança, os reajustes serão de até 20% para imóveis residenciais e 35% para os demais em 2014. A partir de 2015, os limites máximos de aumento serão de 10% e 15%, respectivamente.
Ora, parece claro que tal aumento é desproporcional. Ele poderia ocorrer progressivamente no decorrer dos anos anteriores, já que seu argumento principal (fato gerador) apareceu sob o signo de que houve uma valorização imobiliária, em contrapartida, não houve um aumento na qualidade dos serviços públicos. Mesmo o imposto sendo considerado um tributo não vinculado, o fato gerador deve existir e ficar claro, o que não nos parece no caso em debate.
Não parece justificável apenas a valorização imobiliária, com a mudança da planta de valores da cidade os percentuais a serem praticados. Pois, o Município já se favorece da valorização imobiliária por meio do ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis), cuja alíquota é de 2%, nas milhares de vendas ocorridas nos últimos anos. Além do mais, o Município só agora percebeu que os imóveis da Capital Bandeirante valorizaram e querem cobrar tudo de uma vez?
Vale dizer que, o efeito borboleta ocorrerá, pois, com o aumento de 35% sobre o empresariado, os contribuintes comuns pagarão a referida conta, já que serão introjetadas tais despesas sejam nos produtos, sejam nos serviços. Desta forma, o aumento já fere, de per si, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.
De outra frente restam maculados os princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco. Grosso modo, o primeiro analisa como o tributo agride o patrimônio do contribuinte, considerando suas condições econômicas, de modo que, deverá lhe restar o mínimo existencial, sendo poupada a sua dignidade humana, aliado tal princípio ao da essencialidade, por onde deve ser garantido ao súdito o mínimo vital. Ao passo que a vedação ao confisco, de outra ponta, é o princípio que delimita ao Estado até que ponto uma alíquota será leonina, afrontando o patrimônio do contribuinte de modo agressivo, impingindo-lhe valor impossível de ser saldado, ferindo sua dignidade, ou mostrando a indignidade estatal, como o grande Leviatã, eis que sedento em sua volúpia arrecadatória.
De tal modo, pode-se constatar a dimensão que a aplicabilidade do princípio da essencialidade ganha, na análise da tributação, máxime tendo em conta o que pode ser tomado como essencial a uma vida condigna, observando-se com cuidadosa lupa os comandos constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, II, da Constituição Federal/CF), um dos objetivos capilares da República, ou seja, visando a erradicação da pobreza (art. 3.º, III, da CF), além dos objetivos traçados pelo utópico salário mínimo (art. 7.°, IV[1], da CF) que devem ser respeitados de algum modo, mesmo que por política fiscal.
Imaginem-se quantos idosos e pessoas que tiveram uma condição econômica mais favorável e hoje já não mais, como estão sofrendo por antecipação, com a notícia da majoração do IPTU? O aumento abrupto e elevado que se condena, não que não deva ocorrer aumento.
As “necessidades vitais básicas” do cidadão é a nomenclatura usada pela Constituição. Já a doutrina, enfrentando o tema, pondera que para suprir as necessidades vitais básicas necessitam os indivíduos do que chama de mínimo existencial. Fazendo uma coletânea de boas ponderações, de outros doutrinadores, Mauro Silva (SILVA, Mauro. Os limites para a Capacidade Contributiva – Mínimo Existencial e Confisco – como Elementos de Tensão entre Justiça Fiscal e Segurança Jurídica. Revista Direito Tributário Atual. Coordenação dos Professores Alcides Jorge Costa, Luís Eduardo Schoueri e Paulo Celso Bergstrom Bonilha. n.º 20, São Paulo, Dialética, 2006, p. 192/193) mesclando com suas próprias, apesar de não concluir sobre a conceituação do assunto, assim buscou subsídios para definir o tema:

“Fernando Aurélio Zilveti, apesar de entender que o mínimo existencial não está expresso no contexto constitucional, carecendo de interpretação conjunta de outros princípios constitucionais, entende que a realização da justiça no campo do Direito Tributário dar-se-á por meio do respeito ao mínimo existencial na apuração da capacidade contributiva, de modo a limitar o poder de tributar do Estado. Concordamos que o respeito ao mínimo existencial realiza a justiça fiscal, mas, ao entender que é a capacidade contributiva a categoria essencial que leva a justiça formal para a justiça material, devemos ressaltar que esse não é o único meio de realizar a justiça fiscal como o texto do autor paulista pode levar a concluir.
Ricardo Lobo Torres, por seu turno, põe a salvo da tributação o mínimo necessário à sobrevivência do cidadão e de sua família de modo a garantir a dignidade humana, mas afasta qualquer relação desta com a capacidade contributiva, afirmando que o mínimo existencial está relacionado com os direitos da liberdade. Para o autor, as liberdades individuais permitiram ao cidadão adquirir um nível de capacidade contributiva que autoriza o legislador, no processo democrático, a instituir uma tributação justa. No entanto, a capacidade contributiva permanece limitada quantitativamente pela reserva dos direitos da liberdade na preservação do mínimo existencial e na proibição do excesso na tributação (confisco)...”

Como bem lecionou Celso Antônio Bandeira de Mello[2] violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra. Ora, o princípio em questão é o da aplicação, dentro do espírito que norteia a legislação maior, a inserta na norma constitucional, de forma que o espeque usado pelas decisões judiciais jamais deverão deles se olvidar. Legum omnes servi sumus, ut liberi esse possimus[3], já disse Cícero...

Desta feita, reputo que muitos duelos serão travados doravante sobre o famigerado aumento do IPTU na Cidade de São Paulo que, causou surpresa há muitos, causando fogosa insegurança jurídica a todos nós, eis que, decerto, tais aumentos terão inúmeras repercussões econômicas.

ADRIANO AUGUSTO FIDALGO.
Advogado.
Corretor de Imóveis.
Auditor Jurídico.
Auditor em concursos promocionais (Avon, Sadia, Centauro, Santander e outros).
Bacharel em Ciências Jurídicas.
Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco.
Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP.
MBA em Auditoria pela Universidade Nove de Julho.
Membro da Comissão de Direito do Consumidor, da Subsecção da OAB/Santana.
Detentor de diversos cursos perante a OAB/SP.
Titular da Fidalgo Assessoria.



[1] “...IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim...”
[2] In “Ato Administrativo e Direitos dos Administrados”, ed. RT, 1981, pág. 88.
[3] Somos todos servos das leis para que possamos ser livres"

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