Não achei nada escrito de peso ainda
na internet, mas vou me arriscar no tema com algumas breves pinceladas.
Conforme divulgado (In: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/10/1364184-camara-de-sp-aprova-aumento-do-iptu-veja-como-votaram-os-55-vereadores.shtml;
visitado em: 30/10/13) a Câmara de São Paulo aprovou na noite desta terça-feira
(29/10/13), por 29 votos favoráveis e 26 contrários, o projeto que aumenta o
IPTU na cidade. Com a mudança, os reajustes serão de até 20% para imóveis
residenciais e 35% para os demais em 2014. A partir de 2015, os limites máximos
de aumento serão de 10% e 15%, respectivamente.
Ora,
parece claro que tal aumento é desproporcional. Ele poderia ocorrer
progressivamente no decorrer dos anos anteriores, já que seu argumento
principal (fato gerador) apareceu sob o signo de que houve uma valorização
imobiliária, em contrapartida, não houve um aumento na qualidade dos serviços
públicos. Mesmo o imposto sendo considerado um tributo não vinculado, o fato
gerador deve existir e ficar claro, o que não nos parece no caso em debate.
Não
parece justificável apenas a valorização imobiliária, com a mudança da planta
de valores da cidade os percentuais a serem praticados. Pois, o Município já se
favorece da valorização imobiliária por meio do ITBI (Imposto sobre a
Transmissão de Bens Imóveis), cuja alíquota é de 2%, nas milhares de vendas
ocorridas nos últimos anos. Além do mais, o Município só agora percebeu que os
imóveis da Capital Bandeirante valorizaram e querem cobrar tudo de uma vez?
Vale
dizer que, o efeito borboleta ocorrerá, pois, com o aumento de 35% sobre o
empresariado, os contribuintes comuns pagarão a referida conta, já que serão
introjetadas tais despesas sejam nos produtos, sejam nos serviços. Desta forma,
o aumento já fere, de per si, os princípios constitucionais da
proporcionalidade e da razoabilidade.
De
outra frente restam maculados os princípios da capacidade contributiva e da
vedação ao confisco. Grosso modo, o primeiro analisa como o tributo agride o
patrimônio do contribuinte, considerando suas condições econômicas, de modo
que, deverá lhe restar o mínimo existencial, sendo poupada a sua dignidade
humana, aliado tal princípio ao da essencialidade, por onde deve ser garantido
ao súdito o mínimo vital. Ao passo que a vedação ao confisco, de outra ponta, é
o princípio que delimita ao Estado até que ponto uma alíquota será leonina,
afrontando o patrimônio do contribuinte de modo agressivo, impingindo-lhe valor
impossível de ser saldado, ferindo sua dignidade, ou mostrando a indignidade
estatal, como o grande Leviatã, eis que sedento em sua volúpia arrecadatória.
De tal modo, pode-se constatar a dimensão que a aplicabilidade do
princípio da essencialidade ganha, na análise da tributação, máxime tendo em
conta o que pode ser tomado como essencial a uma vida condigna, observando-se
com cuidadosa lupa os comandos constitucionais da dignidade da pessoa humana
(art. 1.º, II, da Constituição Federal/CF), um dos objetivos capilares da
República, ou seja, visando a erradicação da pobreza (art. 3.º, III, da CF),
além dos objetivos traçados pelo utópico salário mínimo (art. 7.°, IV[1], da CF) que devem ser
respeitados de algum modo, mesmo que por política fiscal.
Imaginem-se quantos idosos e pessoas que tiveram uma condição econômica
mais favorável e hoje já não mais, como estão sofrendo por antecipação, com a
notícia da majoração do IPTU? O aumento abrupto e elevado que se condena, não
que não deva ocorrer aumento.
As “necessidades vitais básicas” do cidadão é a nomenclatura usada pela
Constituição. Já a doutrina, enfrentando o tema, pondera que para suprir as
necessidades vitais básicas necessitam os indivíduos do que chama de mínimo
existencial. Fazendo uma coletânea de boas ponderações, de outros
doutrinadores, Mauro Silva (SILVA, Mauro. Os limites para a Capacidade Contributiva – Mínimo
Existencial e Confisco – como Elementos de Tensão entre Justiça Fiscal e
Segurança Jurídica. Revista Direito Tributário Atual.
Coordenação dos Professores Alcides Jorge Costa, Luís Eduardo Schoueri e Paulo
Celso Bergstrom Bonilha. n.º 20, São Paulo, Dialética, 2006, p. 192/193) mesclando com suas próprias,
apesar de não concluir sobre a conceituação do assunto, assim buscou subsídios
para definir o tema:
“Fernando
Aurélio Zilveti, apesar de entender que o mínimo existencial não está expresso
no contexto constitucional, carecendo de interpretação conjunta de outros
princípios constitucionais, entende que a realização da justiça no campo do
Direito Tributário dar-se-á por meio do respeito ao mínimo existencial na
apuração da capacidade contributiva, de modo a limitar o poder de tributar do
Estado. Concordamos que o respeito ao mínimo existencial realiza a justiça
fiscal, mas, ao entender que é a capacidade contributiva a categoria essencial
que leva a justiça formal para a justiça material, devemos ressaltar que esse
não é o único meio de realizar a justiça fiscal como o texto do autor paulista pode
levar a concluir.
Ricardo
Lobo Torres, por seu turno, põe a salvo da tributação o mínimo necessário à
sobrevivência do cidadão e de sua família de modo a garantir a dignidade
humana, mas afasta qualquer relação desta com a capacidade contributiva, afirmando
que o mínimo existencial está relacionado com os direitos da liberdade. Para o
autor, as liberdades individuais permitiram ao cidadão adquirir um nível de
capacidade contributiva que autoriza o legislador, no processo democrático, a
instituir uma tributação justa. No entanto, a capacidade contributiva permanece
limitada quantitativamente pela reserva dos direitos da liberdade na
preservação do mínimo existencial e na proibição do excesso na tributação
(confisco)...”
Como bem lecionou Celso
Antônio Bandeira de Mello[2]
violar um princípio é muito mais grave do
que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas
a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a
mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão
do princípio violado, porque representa insurgência contra todo sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
lógico e corrosão de estrutura mestra. Ora, o princípio em questão é o da
aplicação, dentro do espírito que norteia a legislação maior, a inserta na
norma constitucional, de forma que o espeque usado pelas decisões judiciais
jamais deverão deles se olvidar. Legum
omnes servi sumus, ut liberi esse possimus[3],
já disse Cícero...
Desta
feita, reputo que muitos duelos serão travados doravante sobre o famigerado
aumento do IPTU na Cidade de São Paulo que, causou surpresa há muitos, causando
fogosa insegurança jurídica a todos nós, eis que, decerto, tais aumentos terão
inúmeras repercussões econômicas.
ADRIANO AUGUSTO
FIDALGO.
Advogado.
Corretor de Imóveis.
Auditor Jurídico.
Auditor em concursos
promocionais (Avon, Sadia, Centauro, Santander e outros).
Bacharel em Ciências
Jurídicas.
Especialista em
Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco.
Especialista em
Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP.
MBA em Auditoria pela
Universidade Nove de Julho.
Membro da Comissão de
Direito do Consumidor, da Subsecção da OAB/Santana.
Detentor de diversos
cursos perante a OAB/SP.
Titular da Fidalgo
Assessoria.
[1] “...IV – salário mínimo, fixado em
lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais
básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer
fim...”
[2]
In “Ato
Administrativo e Direitos dos Administrados”, ed. RT, 1981, pág. 88.
[3]
Somos todos servos das leis para que possamos ser livres"
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