sábado, 10 de maio de 2014

PROCESSO DIGITAL

O tema aqui em tela me faz lembrar o livro de Ibsen chamado “Um inimigo do povo”, donde o governo visava vedar que um médico (Dr. Stockmann) difundisse que as águas do balneário estão contaminadas. Por tal alarde, acaba ele sofrendo sérias consequências por transmitir uma realidade de fato. Assim como ele não temeu eu também não temo, até porque não estou dizendo nada de inédito ou irreal.
Em um passado não muito distante a ideia de um processo virtual era algo próximo a ficção científica. Contudo, finalmente essa era chegou.
No entanto, a primeira mensagem que se passa é que um processo virtual seria mais rápido e ecologicamente correto, certo? Quanto a ser politicamente correto sob o enfoque ambiental decerto que isso é bom, porém, quanto à agilidade isso não aconteceu. Pois, como sempre digo, atrás da tecnologia, sempre estará a frente de algo novidadeiro uma ou algumas pessoas, o que definirá o seu bom resultado será o reflexo de um sucesso de gestão de processos ou de estratégia de boas práticas. Enfim, o material humano sempre é o que importa.
Ao leigo, busca-se criar uma mentalidade, vox populi, vox Dei ("A voz do povo é a voz de Deus") de que o processo virtual é a solução dos problemas. Contudo, os males do Judiciário são muito mais profundos e complexos.
Conforme bem levantado pelo meu antigo professor de Especialização, Dr. Anis Kfouri (Doutorando em Direito do Estado pela USP), em palestra na OAB/Santana, ao se explicar a um cliente como funciona o processo virtual, a semelhança do facebook, o homem médio pensa que o processo é distribuído pelo advogado (postado), daí o juiz pode dar seguimento ou não (curtir), daí se ele estiver em ordem é remetido ao cartório para providências (compartilhado). Imagina-se algo assim, com uma simplicidade tremenda, mas infelizmente não é desta forma.
Oras, na verdade o processo virtual é algo muito moroso. Pode demorar mais de um mês apenas para o juiz despachar – virtualmente – em um processo, isto é, decidir uma situação inicial (despacho liminar ou saneador, por exemplo). Para citar o adverso mais alguns meses e assim por diante. O que ocorre, de concreto, é a transferência de muito do trabalho de Cartório das Varas aos advogados que têm que digitalizar todos os documentos e etc., por vezes, tendo que preencher cadastros imensos.
Ou seja, a virtualização em nada agilizou os procedimentos. O tempo “disponível” pelos serventuários que não é mais gasto com a autuação do processo (montagem, carimbos e demais providências), remessa do processo para despacho e etc., e que era empregado em tal estoque de horas não vem sendo devidamente utilizado em prol dos jurisdicionados (cidadãos que pagam para ter um serviço processual). Demorando meses para uma decisão, emissão de um mandado de levantamento e assim por diante.
Assim, o Estado difunde uma falsa idéia de que o processo com essa tecnologia seja mais ágil. Mero sofisma. Assim como é falacioso de se divulgar que a pessoa não precisa de advogado na área trabalhista ou nos juizados especiais (“self-service” processual??). O Estado, famoso Leviatã, sob tais focos também peca. Cobra taxas judiciárias e presta mais um serviço com eficácia e efetividade débeis.
Por todos esses elementos, importante explicar que a demora processual é um mal sem data de validade, ainda reinante na terra que receberá uma Copa do Mundo e as Olimpíadas. O desempenho da prestação jurisdicional ainda é pífio. Com isso, transferindo dúvidas para os defensores que são reféns de um sistema de lentidão, onde a culpa é exclusiva do Estado, seja pela impossibilidade sistêmica de atender a quantidade de demandas, seja pela quantidade de recursos ou formalismos que o sistema por vezes permite, ou seja, pela lei posta.
Desta maneira, espera-se que tal virtualização seja uma arma a favor do acesso rápido e não um faz de conta, já que quem julgará os processos são pessoas, para decidir a vida de pessoas, em consequência, tais mecanismos tecnológicos tem que e prestar a sanar situações e serem efetivos, sob pena de cairmos numa contradição em termos com a seguinte sentença: o processo virtual tornou o acesso à Justiça obsoleto!

ADRIANO AUGUSTO FIDALGO
Titular da Fidalgo Assessoria.
Advogado.
Militante nas áreas cível, família e sucessões, contratual, tributária, empresarial, imobiliária, trabalhista e consumidor.

Corretor de Imóveis.
Auditor Jurídico.
Auditor em concursos promocionais (Avon, Sadia, Centauro, Santander e outros).
Bacharel em Ciências Jurídicas.
Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco.
Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP.
MBA em Auditoria pela Universidade Nove de Julho.
Membro da Comissão de Direito do Consumidor, da Subsecção da OAB/Santana.
Detentor de diversos cursos perante a OAB/SP.

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